Falamos muito sobre técnica, sobre o instrumento perfeito, sobre as horas de estudo necessárias para dominar uma passagem de Bach. Mas raramente falamos sobre o que acontece em nosso mundo interior enquanto buscamos essa perfeição: a pressão, a autocrítica implacável, a solidão da sala de estudos e a sensação de que nunca somos bons o suficiente.
Se você já se sentiu assim, saiba que não está sozinho.
A busca pela excelência musical é uma das jornadas mais gratificantes que existem, mas ela pode cobrar um preço alto da nossa saúde mental. Como músicos, somos ensinados a ser resilientes, disciplinados e a superar a dor. Mas esquecemos que nosso bem-estar emocional é tão vital quanto a agilidade dos nossos dedos ou a precisão do nosso arco.
Hoje, vamos abrir essa conversa. Vamos falar sobre a importância de afinar não apenas o nosso instrumento, mas também a nossa mente.
Por que a Vida de Músico é Tão Exigente Mentalmente?
A música é uma expressão da alma, mas a profissão de músico envolve uma série de pressões únicas que precisamos reconhecer:
- A Busca Incessante pela Perfeição: Na música, um milímetro fora do lugar na afinação ou um milissegundo fora do tempo é perceptível. Essa busca por uma perfeição quase inatingível pode gerar uma autocrítica constante e paralisante.
- A Comparação Constante: Com as redes sociais, não nos comparamos mais apenas com o colega da estante ao lado. Comparamos nosso “rascunho” diário com o “produto final” de músicos do mundo todo, o que pode ser devastador para a autoestima.
- A Pressão da Performance: A ansiedade de palco (ou “medo de palco”) é real. A exposição, o julgamento e a adrenalina de uma apresentação podem ser fontes tanto de prazer quanto de um estresse imenso.
- A Solidão do Estudo: As horas a fio, sozinhos em uma sala, repetindo os mesmos compassos, são necessárias para o nosso desenvolvimento, mas podem levar ao isolamento social e a um ciclo de pensamentos negativos.
Reconhecer essas pressões não é um sinal de fraqueza. É o primeiro passo para aprender a gerenciá-las.
3 Pilares para o Equilíbrio: Descanso, Limites e Propósito
Cuidar da saúde mental não é abandonar a disciplina. Pelo contrário, é criar uma disciplina mais inteligente e sustentável. Aqui estão três pilares que considero fundamentais.
1. O Descanso Não é um Luxo, é Parte do Estudo
Seu cérebro e seus músculos consolidam o aprendizado durante o descanso. Estudar por horas a fio até a exaustão não só é ineficaz, como é o caminho mais curto para o burnout.
Como praticar o descanso ativo:
- Técnica Pomodoro: Estude com foco total por 25-40 minutos e faça uma pausa de 5-10 minutos. Levante-se, alongue-se, beba água, olhe pela janela.
- Tenha um Dia de Folga: Defina um dia na semana para NÃO tocar no instrumento. Sua mente e seu corpo precisam desse reset. Você voltará aos estudos com mais energia e uma nova perspectiva.
- Durma Bem: O sono é a ferramenta de manutenção mais poderosa para o cérebro. Priorize uma boa noite de sono, especialmente antes de concertos ou audições.
2. Aprenda a Dizer “Não”: A Importância dos Limites
A paixão pela música pode nos fazer dizer “sim” para tudo: mais um recital, mais uma colaboração, mais um aluno. Mas um músico sobrecarregado é um músico infeliz e com a criatividade bloqueada.
Como estabelecer limites saudáveis:
- Defina sua “Hora de Parar”: Assim como você tem hora para começar a estudar, tenha uma hora para terminar. Feche o estojo do violoncelo e mude o foco.
- Proteja sua Vida Pessoal: Reserve tempo para hobbies não relacionados à música, para amigos e para a família. Essas outras áreas da vida te reabastecem e te lembram que você é mais do que apenas “um músico”.
3. Reconecte-se com o “Porquê”
Quando a pressão aumenta, é fácil esquecer por que começamos a tocar. A música vira uma obrigação, uma fonte de estresse.
Como reencontrar seu propósito:
- Toque por Prazer: Reserve um tempo na semana para tocar algo que não esteja no seu repertório de estudo. Uma música que você ama, uma peça antiga, ou simplesmente improvise. Lembre-se da alegria de fazer som.
- Ouça Música Ativamente: Vá a concertos, coloque um disco para tocar e apenas ouça, sem analisar. Deixe-se inspirar pela arte dos outros.
- Celebre as Pequenas Vitórias: Conseguiu tocar aquela passagem difícil? Afinou perfeitamente aquela dupla corda? Reconheça e celebre seu progresso, por menor que pareça.
Você Não Precisa Passar por Isso Sozinho
A jornada musical é desafiadora, mas não precisa ser solitária. Conversar com professores, mentores e colegas sobre o que você está sentindo pode ser transformador.
E lembre-se: buscar a ajuda de um profissional de saúde mental, como um psicólogo, não é um sinal de fracasso. É um ato de coragem e um investimento na sua carreira e na sua felicidade. Cuidar da sua mente é o ato mais profissional que você pode realizar.
Como você cuida do seu equilíbrio entre a música e a vida?